Início » Artigos » De quem é essa terapia?

De quem é essa terapia?

E aí, será que psicólogos podem falar de sua vida pessoal durante um atendimento? Essa questão pode gerar muita discordância entre os profissionais, principalmente se eles são de linhas teóricas diferentes. Mas a verdade é que isso é mais tranquilo do que parece, o que não descaracteriza a seriedade e profissionalismo com que devemos tratar o assunto. Aqui falarei do meu posicionamento sobre o tema, ou seja, isso não é uma regra geral da Psicologia, é a regra que eu sigo. E a minha resposta é: sim, psicólogos podem, eventualmente, falar de sua vida pessoal durante um atendimento. Mas como assim, Laís? Psicólogo não tem que ser uma pessoa que a gente não conheça sobre a vida dele? Quer dizer que você já falou de você para as pessoas que você atende? O que você quer dizer com “eventualmente”?

Te acalma, e vamos juntos 🙂

Sim, é importante que tenhamos uma distância pessoal da(o) nossa(o) terapeuta, apesar da intimidade que existe numa relação psicoterapêutica. Essa distância é importante por ser uma relação profissional, e não pessoal. É um serviço que está sendo prestado. Isso não significa que não possamos saber nadica de nada a respeito da(o) nossa(o) terapeuta, afinal, muitas vezes é alguma coisa que sabemos sobre a pessoa que vai nos atender que nos faz querer ser paciente dessa pessoa.

Quando decido falar sobre algum evento da minha vida durante um atendimento, é uma decisão. Isso significa que eu penso antes se é (ou não) o caso de contar alguma coisa sobre mim. Há então algumas condições pra isso acontecer: isso é válido para a pessoa que estou atendendo? O que vou contar sobre mim está a serviço da pessoa que atendo? Essas perguntas são fundamentais, afinal, psicoterapia não é um simples bate-papo de boteco, muito menos um palco.

Se uma(um) terapeuta fala de sua vida pessoal apenas por falar, ou porque quer contar alguma coisa para alguém, ou porque quer desabafar, ou para se sentir bem, tem algo errado aí. Afinal, de quem é essa terapia? Do paciente/cliente ou da(o) terapeuta? A psicoterapia é sempre do paciente, por isso responder as perguntas do parágrafo anterior é essencial. Para esclarecer um pouco mais, vou dar um exemplo que aconteceu na clínica durante um atendimento que realizei*.

Uma pessoa que atendi iria enfrentar uma situação nova para ela: falar para um público sobre um assunto específico, uma espécie de palestra. Tal evento gerou certa ansiedade e houve uma preocupação, por parte da pessoa que atendi, se essa não seria uma ansiedade exagerada, fora da curva. Conversamos sobre o sentimento presente para investigar como ele estava se apresentando, por exemplo, entender se era um sentimento impeditivo ou não. Ao ficar clara a preocupação quanto à normalidade do sentimento dei um exemplo pessoal com o objetivo de mostrar que, da forma como se apresentava, o sentimento era também comum às outras pessoas. Falei da minha experiência com teatro. Fui atriz por vários anos e realizei diversas apresentações. Todas as vezes que ia entrar no palco, mesmo que fosse uma peça que eu já tivesse apresentado várias vezes, eu sempre sentia um frio na barriga. Dividir essa experiência da minha vida pessoal serviu para que a pessoa que atendi compreendesse que, alguma ansiedade em situações como a que ela iria enfrentar, é esperada, é sobre ser humano e existir. Após dividir o que ocorreu comigo a ansiedade baixou e foi possível trabalhar outros pontos relacionados ao evento futuro.

Em Psicoterapia várias coisas podem ser feitas, desde que com ética, respeito e sabedoria.

 

*Fui autorizada pela pessoa que atendi a publicar essa história.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dezessete − 7 =