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Psicoterapia online funciona?

Conversar com uma terapeuta por chamada de vídeo no computador, ou até mesmo pelo celular, não é exatamente uma novidade. E a regulamentação nº 11/2018 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), tornou essa modalidade de atendimento uma realidade mais concreta e legalmente autorizada*.

Mas como acontece uma psicoterapia online? Quais as indicações, contraindicações, especificidades, ganhos e perdas em conversar sobre suas questões pessoais num encontro virtual?

Antes de tudo, é importante ressaltar dois pontos: um, psicoterapia online é diferente da presencial, e dois, o trabalho psicoterapêutico é possível, mesmo que online.

Por que é diferente?

Pelo simples fato de ser diferente. Uma coisa é você se deslocar dentro da sua cidade, entrar numa sala que foi preparada para sua chegada, sentar (ou deitar) na presença de outra pessoa, poder olhar e até abraçar sua terapeuta. Outra coisa é você mesmo preparar o local da sua terapia e se conectar numa chamada de vídeo, ver apenas o rosto de quem fala com você, e não a pessoa como um todo.

É diferente porque é, e eu apontei apenas algumas diferenças. Nossa, falando assim até parece frio e distante fazer terapia online, né? Mas vamos com calma e lembremos do segundo ponto: o trabalho psicoterapêutico é possível, mesmo que online.

A psicoterapia online pode funcionar muito bem e ser bastante efetiva. Ser diferente não significa ser ruim ou pior. Tudo vai depender de como esse trabalho será feito.

Mesmo online, a(o) psicoterapeuta pode oferecer um serviço de qualidade. E ele deve ser feito com cuidado, ética, coerência, sigilo, sensibilidade e responsabilidade. Os detalhes (frequência, duração, valores, etc) variam de profissional para profissional, assim como no atendimento presencial. Na modalidade online outros fatores importantes entram na conta, como o aplicativo utilizado nas chamadas, a qualidade da internet e cuidados com o local que o paciente (ou cliente) fará as sessões.

Qualquer um pode fazer psicoterapia online?

Entendemos as especificidades e como funciona. Agora, qualquer um pode fazer psicoterapia online? De acordo com o CFP até crianças e adolescentes podem passar por um processo psicoterapêutico online, desde que mediante autorização de ao menos um dos responsáveis legais.

O Conselho não permite atendimento online em circunstâncias de emergência, urgência e desastres, assim como não autoriza atendimento online a pessoas em situação de violência ou violação de direitos. Então muitas pessoas podem se beneficiar da psicoterapia online.

Acredito que a modalidade online serve para quando outra forma não é possível**. Apesar disso, se você precisar escolher entre psicoterapia presencial com uma profissional que não fala seu idioma nativo ou psicoterapia online com alguém do seu país de origem, recomendo a segunda opção. Fazer psicoterapia na sua língua materna pode lhe proporcionar maior fluidez na fala e nos pensamentos.

A língua não diz respeito apenas às palavras, mas ela é carregada de afeto, isto é, traz consigo sentimentos, sensações, sentidos, lembranças.

Além disso, o idioma também tem a ver com cultura. Para quem sai do seu país de origem, principalmente no período de adaptação (que varia de pessoa para pessoa e depende das condições da mudança), conversar com alguém que entende seu jeito de se comunicar pode ser mais importante e efetivo do que falar com alguém presencialmente, mas que tem outro idioma como referência principal. Sem generalizar, ok? Pois fazer psicoterapia com profissionais de outras línguas pode funcionar sim para algumas pessoas.

Psicoterapia online para brasileiros que moram fora do Brasil

Por todos os motivos que explanei, meu foco maior para atendimento online é com brasileiras e brasileiros que moram fora do Brasil.

Percebo o quanto é acolhedor para brasileiros que vivem em outros países poder falar em português sobre seus sofrimentos e suas questões. Muitas vezes a chegada num novo país exige uma série de adaptações. Fazer psicoterapia sem ter que cuidar com a adaptação da língua traz conforto e segurança.

Um exemplo simples pode ajudar a entender a relação existente entre língua e afeto. Estudei na Argentina por alguns meses e dividia a casa com várias pessoas, entre elas, algumas brasileiras. Fizemos o acordo de conversar apenas em espanhol, mesmo que fosse só entre nós. Levávamos esse combinado de forma rigorosa. Entretanto, numa noite de conversas mais pessoais com uma amiga brasileira entramos num assunto carregado de emoções pra ela e ela quis me contar uma situação pela qual passou.

Nesse momento ela disse: “ah, vou te contar isso em português, é melhor”. Trago também um exemplo pessoal. Em uma discussão com um colega argentino eu fiquei muito brava e com muita raiva. Qualquer coisa que eu falasse em espanhol era insuficiente. Só quando eu me expressei em português é que senti um alívio, e mais, só ao falar em português senti que estava falando, de fato.

Em psicoterapia é comum aflorar sentimentos, chegar a histórias ou assunto que você nem imaginava que precisava falar.

Quanto mais esse processo for espontâneo e fluido, melhor. E o idioma pode contribuir ou atrapalhar essa jornada. Nós vivemos num mundo em que a psicoterapia online já acontece e lutar contra isso sem antes tentar essa experiência só nos distancia dessa possibilidade. Isso já está aí, então o que podemos fazer é fazer bem feito, com ética, cuidado e seriedade. E então, “Psicoterapia online funciona?”. Psicoterapia online funciona!

 

* Na resolução anterior (nº 11/2012) os atendimentos psicoterapêuticos realizados online tinham número limite de sessões permito pelo CFP e valiam apenas se em caráter experimental.

** Com as medidas de segurança necessárias com a pandemia do COVID-19, por exemplo, o possível é continuar os processos presenciais de forma online. Já estamos perdendo muito com o distanciamento social, e perder a psicoterapia agora seria perder demais. Poder contar com um espaço em que você possa falar do seu sofrimento, em que você possa receber suporte e acolhimento numa situação tão nova como a que estamos enfrentando, pode ser o diferencial na lida com a atual configuração mundial.

Bird Box e o processo psicoterapêutico

A psicóloga Paula Arenhart estreia a coluna de convidadxs aqui no site. Ela traz uma compreensão sobre o filme Bird Box (2018) e o usa como metáfora para falar do processo psicoterapêutico. O texto fará mais sentido se você já viu o filme e, sim, tem spoiler. Prepara a pipoca e se joga na leitura!


 

Malorie chega ao filme como alguns pacientes à psicoterapia. Há uma resistência grande em implicar-se. Ela vem negando a maternidade, cogitando a adoção, afastando seus afetos e eximindo-se daquele papel assim como vem o paciente, negando-se, colocando seus desconfortos pra debaixo do tapete, ainda sem querer, ou poder, dar conta daquilo que a vida fez de si.

O caos se instala, tudo que ela tem como referencial de vida e mundo vai sendo destruído. Ela é retirada, à força, pelas circunstâncias, de todos seus espaços de conforto e conhecimento. Se dá conta que não pode mais cegar-se e inicia um processo doloroso e lento de demonstração de vulnerabilidades. As relações sociais e afetivas dela vão sendo reconstruídas, assim como se propõe a reconstrução afetiva na relação psicoterapêutica. Há força e há também conquista do paciente em busca de ajuda. Mas esse assentar-se, acostumar-se ainda é seco. O afeto é tolerado, mas não assimilado. As mudanças são engolidas, mas à seco, sem satisfação, sem conforto. Há, durante o filme, assim como no processo psicoterapêutico, uma conquista penosa e longa do ato de responsabilizar-se, assumir aquela nova vida, apropriar-se do que é seu, mesmo que o seu não seja o desejado.

Ao longo da trama, Malorie conquista um espaço relativamente seguro e confortável. Tem um companheiro corajoso e com ele aprende a se proteger dos perigos do novo mundo. Se viram como podem e desfrutam pequenos momentos de felicidade. Acaba se amparando nesse novo arranjo de vida e apesar de entender suas limitações e sentir suas faltas, quer mantê-lo. Se agarra à ele. Se opõe à ideia de arriscar a viagem no rio. Se apega àquela vida limitada como se apegava à vida sem filhos. Resiste. Assim geralmente se desenrola o processo psicoterapêutico. Após a instalação do caos, um bom período de bem-estar e calmaria se arranja. Traz paz, apesar das claras limitações.

Mas a vida joga, impele à continuidade de um novo arranjo ou à desistência de trilhar o caminho. Impõe ao apego ou a elaboração.

Há força. Há reconstrução de confiança. Há finalmente um real responsabilizar-se. Malorie se joga ao rio como o paciente que ultrapassa essa grande barreira da resistência do conforto, do ‘está tudo bem melhor’. Há uma implicação pessoal, mobilização de força individual que só é possível porque outrora estava subsidiada pelo amparo de seu companheiro Tom, ou da vinculação terapêutica. É um real ‘conseguir andar de bicicleta sem rodinhas’, mas apenas porque por um bom tempo as rodas estiveram ali, amparando, sustentando, apresentando.

Há então a chegada ao ‘local prometido’. Aquele que nunca é o idealizado inicialmente. Aquele em que Malorie só queria continuar sua vida de não-mãe, num mundo sem zumbis e sem fumaças da morte. É uma conquista, mas assim como no processo psicoterapêutico, é uma conquista sempre parcial. Há mérito, implicação, pertencimento e estabilidade. Mas ainda assim, não há garantia de salvação, de manutenção. Não há cura. Há apenas uma grande ampliação de possibilidades de sentido.

Como num processo psicoterapêutico, é depois do caminhar, do trabalhar psiquicamente que ela consegue nomear os filhos, dar sentido às experiências do trajeto, só após o percurso do rio, aquela maternidade, ou qualquer outra questão psicoterapêutica faz sentido, é própria.

Texto: Paula Arenhart | Psicóloga | CRP 06/126122

Qual o problema da resposta rápida?

Algumas pessoas quando buscam psicoterapia sentem-se muito bem com pouquíssimos encontros. Em três ou quatro sessões já querem parar os atendimentos, afinal, cheguei mal aqui e agora tô bem, valeu, tchau! Se isso acontecer com você vale pensar um pouquinho mais antes de abandonar a terapia.

Eventualmente, há casos que acabam sim sendo solucionados ou ressignificados em poucas sessões, as vezes em até uma conversa. Existem encontros realmente transformadores! Mas, geralmente, é uma exceção. Não tô dizendo aqui que psicoterapia é pro resto da vida, que deve demorar décadas e que só assim ela tem efeito. Se fosse isso, Psicoterapia Breve nem existiria (falo sobre ela em outro texto, ok?).

O que quero explicar é que um alívio mínimo pode acontecer se você começar a conversar semanalmente com uma psicóloga, mas o alívio do sofrimento não quer dizer que ele tenha sido resolvido. Como assim? Simples: não adianta mudar um comportamento se você não entende esse comportamento.

Vamos imaginar a seguinte situação: você está com uma pedra dentro do seu calçado e caminha com ela te incomodando o dia todo. Isso já aconteceu muitas vezes, mas você não consegue tirar essa pedra daí. Até encontrou um jeito de fazer com que ela fique num lugar menos incômodo no seu pé, mas sair, ela não sai. Aí você vai pra terapia e só de conversar com a psicóloga e contar da tal pedra você consegue, finalmente, tirá-la do seu calçado! Maravilha! É óbvio que você vai querer deixar a psicoterapia, afinal, o que te incomodava tanto não incomoda mais. Mas, vem cá. Será que não é interessante ver que pedra é essa? Por que ela ficou ali por tanto tempo? Quando ela entrou no calçado? Por que você não conseguiu se livrar dela antes? Isso já aconteceu mais de uma vez? Com outros calçados, talvez? Se você não entender sobre essa pedra, pode ser que ela volte. Se você buscar compreender toda a situação, aí sim você conseguirá ter mais autonomia pra decidir o que entra e não no seu calçado.

O problema da resposta rápida é que ela, não necessariamente, te livra da sua dificuldade ou do seu problema. Segredinho: Isso não significa que todo problema deve ser eliminado, mas falarei sobre isso num novo texto.

Talvez um exemplo menos metafórico ajude: pense em alguém que já teve vários namoros e em algumas conversas com uma psicoterapeuta, a pessoa consegue perceber que algo sempre se repetiu nos seus relacionamento amorosos. Ao perceber isso a pessoa imediatamente muda o comportamento repetitivo em seu namoro atual e tcharaaaam! Pronto, tudo resolvido, tchau terapia! Calma, respira e vamos juntos: eu defendo que é importante saber um pouco mais sobre esse comportamento antes de abandonar a terapia, afinal, como ele aparece? O que contribuiu pra ele ir embora? Entender detalhes como esses aumenta a chance do comportamento não voltar, ou até de, se voltar, que você saiba como agir de um jeito diferente em relação a ele. Você pode tirar a pedra do sapato e caminhar sem nada te incomodando por um tempo. Mas depois pode se distrair, deixando uma nova pedra entrar no calçado. E tudo bem querer ter uma pedra no seu pé volta e meia, desde que você saiba o que está escolhendo.

A Importância da Tristeza

Ficar triste não é legal, ficar triste é ruim, ficar triste dói e acinzenta o olhar. Ficar triste pode ser amedrontador. Mas, as vezes, ficar triste é necessário. Parece que atualmente, ficar triste está cada vez mais difícil, é cada vez menos aceito. Vivemos no mundo da vitrine virtual, onde vídeos com a iluminação perfeita, a maquiagem impecável e fotos retocadas recebem muito mais views e likes que vídeos e posts que falam sobre não estar tudo bem. Somos bombardeados com frases do tipo “vem ser feliz”, “destampe a felicidade”. É preciso cuidado, ninguém está feliz o tempo todo, pois isso é impossível.

E que bom que é impossível. Ao contrário do que pode parecer a tristeza não é sempre uma vilã que deve ser eliminada a qualquer custo. Antes de querer se livrar dela, que tal bater um papo e entender o que, raios, ela tá fazendo aí? Se a tristeza aparece, algum motivo há e este pode ser justamente o ponto: a tristeza serve para nos comunicar alguma coisa. Sem ela não olhamos pro que está desconfortável, clamando por mudança. A tristeza pode ser um pedido de socorro, de nós para nós mesmos, um convite pra reflexão.

Uma pausa.

Pra sentir, pra pensar. A tristeza pode nos aproximar de quem somos, nos ajudar a entender alguma situação da nossa vida, um padrão, relações. Ao nos convocar a olhar para o que precisa ser olhado, ela pode até nos ajudar a encontrar respostas.

Estar em psicoterapia pode te ajudar a lidar com a tristeza sem se desesperar, já que alguém estará te acompanhando nesse processo. Uma psicóloga também pode te ajudar a notar se a tristeza que se apresenta é muito forte ou se é uma tristeza necessária. Como assim? Bem, em alguns casos o sofrimento pode ser muito intenso a ponto de atrapalhar o dia-a-dia, a vida cotidiana. A avaliação de uma profissional é muito importante nessas situações, pois o acompanhamento com medicação pode ser necessário para aliviar um sofrimento que é demasiado intenso e ajudar a pessoa a se acalmar, a respirar um pouco e aí sim poder olhar para sua vida. Acompanhamento psiquiátrico pode ser fundamental, mas é importante que a medicação não tire todo o desconforto, pois um pouco dele é necessário pra que se perceba o que está acontecendo, para ouvir o que precisa ser escutado.

Pode parecer esquisito no começo, mas a tristeza pode ser um sentimento bom também. Que tal reparar no que ela tá tentando te dizer?

O Baralho

Chegou com muitas cartas. Ao abrir a porta tive que ajudá-lo com as que caíram no chão.

– Me desculpe. Opa, obrigado. Pode deixar que eu seguro, ele me disse.

Indiquei o caminho e ele tomou lugar no sofá. As cartas continuavam todas em suas mãos. Embaralhadas desordenadamente, algumas quase caindo, outras tão escondidas que nem podemos imaginar que estejam ali. E claro, há as que faziam questão de se mostrar, tomar mais espaço. Parte das cartas estava com as faces de frente pra ele, já outra parte estava a me encarar.

Logo começou a falar, desabafou seu dia, foi um bocado difícil no trabalho hoje. Muita cobrança da chefe que exige tudo dias antes do prazo. Ela tem essa mania de conferir cinco, sete vezes o que fizemos para ver se está tudo ok, sabe? Na maioria das vezes está, mas essa pressão acaba comigo. Não consigo me concentrar pra fazer o que tem que ser feito, fico preocupado e acabo me desconcentrando muito fácil.

E botou uma carta na mesa de centro.

A gente acha que ela queria que fosse tudinho do jeito dela. Mas quando duas pessoas fazem um mesmo trabalho, ele me explicou, é claro que os trabalhos serão diferentes, não tem como ficar idêntico. Mas ela quer isso, que a gente faça exatamente como ela faria. É impossível. Neste momento, a carta estava enorme, quase ocupando todo o espaço da mesinha.

Ele respirou. Uma pausa. A carta foi perdendo o tamanho.

Mas também tenho tanto pra falar que não quero ficar falando só da minha chefe ou do meu trabalho, isso é o de menos. A verdade é que não sei por onde começar, tô sentindo esse negócio no peito que não sei direito o que é… é um aperto, sabe? Aparece do nada, é muito ruim.

Uma carta caiu de suas mãos, mas ele não pôde reparar.

As vezes fico tão angustiado que não consigo dormir, aí fico ansioso porque sei que preciso descansar pra aguentar o dia seguinte, e só piora, vira uma bola de neve. Então eu não sei muito bem o porquê de sentir isso, só queria resolver, queria que passasse. Não quero perder tempo da vida ficando mal. Porque eu gosto de fazer tanta coisa… adoro escalar, por exemplo, andar de bicicleta, ver um filme diferente no cinema, mas nada. Não tô fazendo nada disso. Enquanto desabafou, alguns assuntos apareceram, novos sentimentos. E pra cada um deles, uma carta caía no chão.

Mas eu fico aqui falando, ele disse, e nem sei como é que funciona esse negócio, o que eu tenho que falar… Pedi pra que ele olhasse o chão. Várias cartas tinham caído da mão dele. Outras, ele mesmo colocou na mesa. Ao olhar pro cenário que se formou, reparou que algumas cartas estavam bem perto de outras, viu cartas bem sujas e percebeu que segurava outro punhado delas com força. Essa carta, ele disse olhando especificamente pra uma, eu nunca tinha olhado pra ela desse jeito. E essa outra, nossa, eu nem tinha reparado nela.

Pois é exatamente assim que funciona a Psicoterapia, eu disse. Você chegou aqui e me falou sobre várias coisas. Parece que tá difícil arrumar esse baralho sozinho. Mas eu posso te ajudar a segurar essas cartas, organizá-las contigo da forma que você preferir. Como você tem várias delas, fica difícil reparar em todas. Veja as que sobraram nas suas mãos, por exemplo. Perceba que algumas delas estão com as faces (o lado mais valioso do baralho, aquele que guarda os números e naipes) voltadas pra mim, não pra você, então é muito fácil eu ver que elas estão aí. Quando reparar nisso vou te convidar a olhar pra elas, e você vai me dizer se quer olhar ou não, se quer escondê-las ou por num lugar de destaque. E tudo bem qualquer uma dessas opções, desde que você saiba o que está escolhendo. E tudo bem mesmo, porque cada coisa tem seu tempo. Repare nas cartas que estão no chão: algumas estão próximas entre si e outras estão distantes. Percebendo isso podemos ver que relação existe entre elas, e isso pode nos ajudar a compreender, por exemplo, a angústia e a ansiedade que você falou. Meu papel é te acompanhar nessa descoberta e te mostrar algumas coisas que, por estar de fora, é mais fácil de ver. E aí você pode concordar ou não comigo.

Com o tempo, você vai notar que algumas cartas são mais importantes que outras, que podemos nos demorar diversos encontros falando de um mesmo naipe, destrinchando cada mínimo detalhe que existe nele. E você vai perceber também que ficar tempo demais numa carta só pode ser chato e desnecessário. Não existe uma regra sobre o que falar e o que não falar. O importante é estar aberto, se permitir, e se escutar.

É, acho que ele entendeu o que eu disse. Tanto entendeu que algumas cartas ficaram no tapete da sala, outras ele fez questão de levar embora. Aguardo o próximo encontro pra descobrir sobre quais delas vamos conversar.

Por que conversar com uma psicóloga e não com um amigo?

Por que pagar alguém pra me ouvir se tenho amigos que podem fazer isso? Por que ir toda semana na psicoterapia se posso conversar sobre a vida numa mesa de bar? Todo mundo já filosofou sobre a vida, precisa mesmo de psicólogo pra isso?
Te acalma e vamos juntos 🙂

Não falarei aqui se você deve ou não passar por um processo psicoterapêutico, pois já tratei desse assunto neste texto. Aqui vou te explicar algumas diferenças entre bater um papo com um amigo e com uma psicóloga(o).

A escuta é a primeira delas. Você já teve a sensação de não ser ouvido completamente? Ou julgado? Ou tentar desabafar sobre algo importante e o ouvinte tomar a palavra pra falar de um problema dele? E quando pra você é tão difícil falar que você se prepara um monte pra conseguir desabafar com aquele amigo específico e ele não te ouve como você esperava? Frustrante, né.
Obviamente, podemos encontrar relações acolhedoras na nossa vida, mas geralmente situações como essas acontecem nas conversas que temos por aí na vida. Não é à toa, tá todo mundo precisando falar, mas nem todo mundo tá afim de escutar. Sabe por que? Porque escutar, escutar de verdade, é difícil pra caramba! Num atendimento psicoterapêutico a escuta é uma das principais ferramentas que nós, psicólogas, usamos. E ouvimos de um jeito diferente porque fazemos o exercício de buscar compreender a experiência de quem nos fala, entender que sentido tem aquele sofrimento para aquela pessoa ali, sentada na nossa frente. Essa postura só é possível se eu não julgar o que a pessoa está me dizendo e se eu me “esquecer” momentaneamente do meu modo de ver a vida e lidar com meus problemas.
Um exemplo pra ajudar a entender: Vamos supor que uma pessoa diga a seu terapeuta que está muito difícil sair da cama, que não sente vontade nem de comer. Se esse terapeuta é alguém que ama viver e gosta de aproveitar todos os detalhes da vida, ele terá que, para ouvir abertamente seu paciente, deixar de lado um pouco esse seu jeito de viver a vida. Só assim será possível se aproximar da experiência daquela pessoa e, com isso, ouvi-la de acordo com o jeito que ela vive sua dificuldade em sair da cama. Se esse terapeuta ficar pensando coisas do tipo, “mas que absurdo, é só levantar” ou ainda, “mas o dia tá tão bonito, a vida não é tão difícil assim, isso é falta de vontade”, já era. Isso é um julgamento e julgar trava o nosso trabalho enquanto psicoterapeutas e pode restringir as possibilidades de quem atendemos.

A segunda diferença é que, ao ir pra psicoterapia, sua psicóloga não vai te interromper pra contar os problemas da vida dela e desabafar com você. Isso é antiético, não é profissional. A terapia é do cliente, não do psicólogo. (Isso não significa que você não possa saber nada a respeito da vida de seu terapeuta, e sobre isso eu explico aqui). Então aquele problema de “fui pra desabafar e acabei tendo que ouvir” não vai acontecer em um acompanhamento psicoterapêutico.

E claro, nós psicólogos(as), estudamos para poder estar na frente de uma pessoa e ouvir sobre seus medos, angústias, inseguranças. O que nos leva a não dar conselhos e dizer o que você deve fazer. Diferente de um amigo, observamos alguns detalhes que nos apontam outros caminhos, outras conexões. Vamos junto contigo tentar entender o que está acontecendo, procurar saber como você toma decisões e faz escolhas, vamos buscar compreender como é essa ansiedade que você sente e o que ela tá fazendo aí, vamos investigar o que te leva a agir como age e, finalmente, você conhecerá mais sobre você mesmo. E autoconhecimento é poder.

De quem é essa terapia?

E aí, será que psicólogos podem falar de sua vida pessoal durante um atendimento? Essa questão pode gerar muita discordância entre os profissionais, principalmente se eles são de linhas teóricas diferentes. Mas a verdade é que isso é mais tranquilo do que parece, o que não descaracteriza a seriedade e profissionalismo com que devemos tratar o assunto. Aqui falarei do meu posicionamento sobre o tema, ou seja, isso não é uma regra geral da Psicologia, é a regra que eu sigo. E a minha resposta é: sim, psicólogos podem, eventualmente, falar de sua vida pessoal durante um atendimento. Mas como assim, Laís? Psicólogo não tem que ser uma pessoa que a gente não conheça sobre a vida dele? Quer dizer que você já falou de você para as pessoas que você atende? O que você quer dizer com “eventualmente”?

Te acalma, e vamos juntos 🙂

Sim, é importante que tenhamos uma distância pessoal da(o) nossa(o) terapeuta, apesar da intimidade que existe numa relação psicoterapêutica. Essa distância é importante por ser uma relação profissional, e não pessoal. É um serviço que está sendo prestado. Isso não significa que não possamos saber nadica de nada a respeito da(o) nossa(o) terapeuta, afinal, muitas vezes é alguma coisa que sabemos sobre a pessoa que vai nos atender que nos faz querer ser paciente dessa pessoa.

Quando decido falar sobre algum evento da minha vida durante um atendimento, é uma decisão. Isso significa que eu penso antes se é (ou não) o caso de contar alguma coisa sobre mim. Há então algumas condições pra isso acontecer: isso é válido para a pessoa que estou atendendo? O que vou contar sobre mim está a serviço da pessoa que atendo? Essas perguntas são fundamentais, afinal, psicoterapia não é um simples bate-papo de boteco, muito menos um palco.

Se uma(um) terapeuta fala de sua vida pessoal apenas por falar, ou porque quer contar alguma coisa para alguém, ou porque quer desabafar, ou para se sentir bem, tem algo errado aí. Afinal, de quem é essa terapia? Do paciente/cliente ou da(o) terapeuta? A psicoterapia é sempre do paciente, por isso responder as perguntas do parágrafo anterior é essencial. Para esclarecer um pouco mais, vou dar um exemplo que aconteceu na clínica durante um atendimento que realizei*.

Uma pessoa que atendi iria enfrentar uma situação nova para ela: falar para um público sobre um assunto específico, uma espécie de palestra. Tal evento gerou certa ansiedade e houve uma preocupação, por parte da pessoa que atendi, se essa não seria uma ansiedade exagerada, fora da curva. Conversamos sobre o sentimento presente para investigar como ele estava se apresentando, por exemplo, entender se era um sentimento impeditivo ou não. Ao ficar clara a preocupação quanto à normalidade do sentimento dei um exemplo pessoal com o objetivo de mostrar que, da forma como se apresentava, o sentimento era também comum às outras pessoas. Falei da minha experiência com teatro. Fui atriz por vários anos e realizei diversas apresentações. Todas as vezes que ia entrar no palco, mesmo que fosse uma peça que eu já tivesse apresentado várias vezes, eu sempre sentia um frio na barriga. Dividir essa experiência da minha vida pessoal serviu para que a pessoa que atendi compreendesse que, alguma ansiedade em situações como a que ela iria enfrentar, é esperada, é sobre ser humano e existir. Após dividir o que ocorreu comigo a ansiedade baixou e foi possível trabalhar outros pontos relacionados ao evento futuro.

Em Psicoterapia várias coisas podem ser feitas, desde que com ética, respeito e sabedoria.

 

*Fui autorizada pela pessoa que atendi a publicar essa história.

Fui num psicólogo e não gostei. E agora?

E agora que tudo bem.

A primeira coisa que tenho pra te dizer é que, diferente do que se ouve por aí, não é TODO mundo que devia fazer terapia. Claro, como psicóloga, reconheço os benefícios da Psicoterapia e entendo que ela pode sim ajudar muitas pessoas, principalmente no processo de autoconhecimento e entendimento acerca de questões pessoais e relacionais. Mas as vezes psicoterapia não é pra você, as vezes você vai se encontrar em outro lugar, em outra atividade. E tudo bem.

Apesar disso, eu diria pra você tentar mais uma vez, com outro psicólogo ou psicóloga. É que as vezes simplesmente não deu certo com o primeiro profissional que você foi. E isso pode acontecer, pois pra que um processo psicoterapêutico funcione é fundamental que você goste do seu psicólogo e ele de você. O espaço da terapia é um espaço íntimo e único, por isso a afinidade é importante. E o mínimo que você precisa pra se abrir com uma pessoa – e falar de coisas que as vezes você não diz nem pra você mesmo – é ir com a cara do seu terapeuta. E algo básico que você precisa (e merece) pra desabafar com alguém: sentir-se confortável, acolhido.

Outra coisa: lembre-se que psicoterapia é um serviço, você está pagando pra ser atendido. Então não há mal nenhum em buscar um novo profissional se você não se sentiu à vontade com o primeiro, ou segundo, ou terceiro… As vezes essa busca pode demorar um pouco mais, seja por falta de sorte, por profissionais despreparados ou antiéticos que estão no mercado, ou simplesmente porque você não gostou muito daquele terapeuta.

E se mesmo com alguém legal você não curtir fazer psicoterapia, tá tudo bem. Você pode tentar novamente em outro momento da vida ou buscar outra atividade que te faça mais sentido.

Psicólogo ou Psiquiatra?

Afinal, quais as diferenças entre Psicologia e Psiquiatria?

A principal delas é a formação acadêmica. Um psiquiatra precisa fazer uma faculdade de Medicina e uma residência em Psiquiatria. Residência é uma espécie de pós-graduação que funciona como um curso de especialização. Psiquiatria é o braço da Medicina que se dedica ao diagnóstico e tratamento das doenças mentais*, com o objetivo de diminuir (ou até eliminar) os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Um psicólogo deve se graduar numa faculdade de Psicologia: ciência que se debruça no estudo, compreensão e tratamento de processos mentais, comportamentais e na interação (ou integração) do ser humano com a sociedade, ambiente físico, cultural e espiritual.

O tratamento medicamentoso é outra diferença importante. Psicólogo não tem autorização legal para receitar remédio, psiquiatra sim. Há casos raros de psiquiatras que não prescrevem medicação e isso acontece quando eles percebem que não há causa orgânica ou neuroquímica para o problema da pessoas, as vezes é apenas uma dificuldade em algum momento da vida, por exemplo, que pode ser trabalhada de outra forma.

A frequência com que se visita cada um é relativa, mas geralmente as sessões com psicólogos acontecem semanalmente e com psiquiatras mensalmente, podendo mudar ao longo do tratamento para encontros bimestrais, trimestrais ou até semestrais.

Em relação ao sintoma é mais comum, na Psiquiatria, a busca pela eliminação dele. Veja, existem exceções importantes em que psiquiatras se aproximam da Psicologia nesse sentido, pois para os psicólogos “os sintomas, como tais, não são nossos inimigos, mas nossos amigos; onde há sintomas, há conflito, e conflito indica sempre que as forças da vida, que pugnam pela harmonização e pela felicidade, ainda lutam” – Aldous Huxley.

Mas se existem graduações diferentes e ênfases distintas, por que tanta confusão?

Primeiro porque um trabalho complementa o outro. Há coisas que a medicação dá conta e a Psicoterapia não, e vice-versa. Por exemplo: em casos de depressão o medicamento é importante para que a pessoa consiga realizar as atividades cotidianas (levantar, sair de casa, cozinhar, etc), já a Psicoterapia auxilia no entendimento das emoções e sensações relacionadas à depressão. Então, psicólogos e psiquiatras podem (e em alguns casos até devem) trabalhar juntos.

Segundo porque os psiquiatras também podem ser terapeutas. Isso quer dizer que, além da graduação em Medicina e residência em Psiquiatria, médicos psiquiatras podem fazer uma formação ou pós-graduação em alguma abordagem teórica da Psicologia (como Gestalt-terapia, Psicologia Fenomenológica-Existencial, Análise do Comportamento, Psicologia Corporal, etc) para se tornarem terapeutas, e aí eles mesmos podem conciliar no tratamento questões biológicas e psicológicas. Isso não é comum, por isso que nós da Psicologia ficamos bem felizes quando encontramos colegas psiquiatras interessados na nossa área do conhecimento.

Outra coisa que pode gerar essa confusão é que há psicólogos e psiquiatras que são psicanalistas. Resumidamente, a Psicanálise é um método de investigação do psiquismo e seu funcionamento, criada por Sigmund Freud. Isto é, a Psicanálise também é uma linha teórica dentro da Psicologia. O fato das palavras serem parecidas ajuda na confusão. Além disso, por também lidar com o sofrimento humano a Psicanálise está próxima tanto da Psicologia, quanto da Psiquiatria. Por isso é comum encontrarmos Psicólogos Psicanalistas e Psiquiatras Psicanalistas.

Entendendo um pouco sobre cada uma dessas duas profissões fica mais fácil entender que serviço procurar. Mas se dúvidas continuarem você me perguntar por aqui ou conversar com algum outro profissional das áreas.

*Há diversos outros termos que podemos utilizar e eles não existem à toa. Cada um deles tem um porquê, mas falarei sobre isso em outro texto.

Psicólogo não dá soluções

Pode ser frustrante, eu sei. E por diversos motivos:

– a vida tá difícil
– você não tá entendendo alguns sentimentos que estão aparecendo
– você realmente não sabe como solucionar um problema
– você não tem ideia do que quer
– você quer mais de uma coisa e elas se excluem
– você sabe o que quer, mas não sabe como conseguir o que quer
– você não se acha racional o suficiente em tomada de decisões
– você está cansado pra escolher
– você está perdido
– você é uma pessoa indecisa

E tantas outras razões que te levam a olhar pra uma psicóloga ou psicólogo e dizer: “O quê que eu faço?” Afinal, você tá pagando consultas semanais pra uma pessoa que estudou sobre sofrimentos existenciais, o labirinto da mente humana e leu muito pra entender como o ser humano funciona. E o que tenho pra te dizer começa neste último ponto: cada pessoa é diferente. Que clichê, Laís, que blá blá blá, como isso pode me ajudar? Te acalma e vamos juntos J

“Cada homem é, sob certos aspectos:

  1. como todo homem;
  2. como certos homens;
  3. como nenhum outro homem.” (Kluckhohn & Murray, 1948).

Obviamente que temos semelhanças com as outras pessoas, afinal, somos todos da raça humana e temos características que nos definem enquanto tal (“como todo homem”), mas até aqueles com quem compartilhamos inúmeras ideias, pensamentos ou ideologias (“como certos homens”) são diferentes de nós, pois cada um significa suas experiências de uma forma (“como nenhum outro homem”). Duas pessoas podem presenciar a mesma situação. Por exemplo: ver um acidente de carro enquanto esperam para atravessar a rua. O evento é o mesmo, mas o modo como cada uma vai se assustar (ou não) com o acidente e, mais importante, o impacto que cada uma sofrerá com o ocorrido será diferente, mesmo que muito semelhantes. Isso acontece porque temos experiências, valores e julgamentos distintos das outras pessoas, pois nossa história é única, nossas vivências são únicas.

Falar para uma pessoa o que ela deve fazer é falar a partir do que eu considero bom ou ruim, do que eu desejo para a minha vida e do que eu julgo certo ou errado. A opção que eu escolher terá a ver com a minha história de vida e com a forma que eu dou sentido para o que ocorre no mundo. Mas se sou psicóloga devo me esforçar para me colocar no lugar do outro e, ao compreender como a pessoa que estou atendendo sente e pensa, posso dizer a ela o que fazer, correto? Não funciona assim.

As vezes estamos vivendo um momento delicado, frágil, estamos sofrendo. Nesses momentos é comum tudo ficar confuso, nublado e a impressão de que não sabemos nada sobre nós mesmos pode aparecer. Apesar disso, você sabe mais sobre você que eu. Meu papel como psicoterapeuta é te ajudar a entender o que tem nessa confusão. Dessa forma, o céu vai abrindo e é possível enxergar o que estava atrás do cenário nublado. Com essas ferramentas tomar uma decisão fica mais fácil.

Além disso tudo, é antiético impor ou insinuar uma decisão que não será vivida por mim. E se tudo isso ainda não te convenceu: eu não digo às pessoas que atendo o que elas devem fazer para trabalhar a autonomia de cada uma e responsabilidade pelas próprias decisões e escolhas.